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O sintoma e o real do trauma – revisitando o conceito de repetição em Lacan
Paula Goulart
Na constituição do sintoma e em seus efeitos de repetição, qual seria o real, qual trauma que estaria instalado aí?
O aforismo lacaniano ‘não há relação sexual’ pode nos servir de ponto de partida nessa investigação, já que o ser falante não dispõe do saber sobre o real, sobre o gozo sexual. O que colocaria o trauma como esse encontro com um gozo sexual sem o amparo de um saber sobre a sexualidade, deixando para o sujeito um enigma.
O sintoma emergiria como metáfora, que tenta responder a esse enigma sobre o gozo sexual. As respostas são sempre particulares, já que a relação entre o homem e a mulher não pode ser calculada pela natureza.
Enquanto metáfora, o sintoma apontaria para o retorno de uma experiência reprimida. O trauma originário, ponto central dessa experiência, como a própria cena infantil que vai se organizar com a formulação da fantasia inconsciente, por parte do sujeito.
O real pode ser tomado, então, como uma coordenada do sintoma enquanto ‘janela’ do fantasma. O fantasma viria recobrir esse encontro contingencial, velando o gozo que põe em jogo a ausência desse saber sobre o sexo.
Freud estabelece uma relação de causalidade entre trauma e sintoma em suas teorias do trauma e da fantasia. Para ele, haveria um trauma ocasional, produtor do sintoma; e um trauma originário, representante da irrupção do real na vida do sujeito. A causa apareceria, então, no aprés-coup de seus efeitos.
O caso Emma, tomado como exemplo, tem a cena 2 interpretada como o encontro contingente que leva à repetição, encontro como autômaton, na perspectiva lacaniana. Após ele é que surgem os sintomas, como retorno de uma experiência reprimida.
O trauma originário, constituído por uma cena infantil, faz irromper um gozo sexual para Emma na ausência de um saber sobre o sexo. Esse encontro traumático com o real é a tiquê.
Lacan, no Seminário 11, sinaliza que o lugar do real vai do trauma à fantasia, fazendo dela uma tela dissimuladora do que há de determinante na função da repetição.
A fantasia por vezes mostra e oculta esse encontro traumático do sujeito com o real.
Stevens, ao equacionar o final de análise e sua relação com a fantasia, aponta que nos depoimentos o que se encontra são franqueamentos, abordagens do real. O sinthoma, testemunho do modo como o sujeito se confronta com a pulsão, aparece como um ponto situado mais-além da fantasia.
Para Stevens, a noção de saber-fazer com seu sinthoma debulha como as marcas de gozo são as respostas do sujeito à inexistência da relação sexual, do saber sobre a sexualidade.
Retomando então a análise do trauma freudiano como encontro contingente com o gozo sexual e como ocasião para construção de uma resposta particular, o sinthoma se constituiria como resposta do sujeito à repetição (tiquê) e todos os acontecimentos de uma certa modalidade do real (actings out, passagens ao ato, atos falidos, acidentes) poderiam ser lidos como significações do sinthoma.
Seriam fenômenos causados pela repetição do sinthoma (autômaton) e pela posição do sujeito no discurso, demonstrando que há sempre um primeiro sentido, por efeito de aprés-coup, em todo encontro posterior.