skip to Main Content

Sonhos e despertares

Christian Schloe , Portrait
Christian Schloe , Portrait
Luiza Sarno

Em um movimento de torções, semelhante a lógica da topologia, Carolina Koretzky (2019) percorre os ensinos de Freud e Lacan visando apreender diversos deslocamentos na concepção dos sonhos e dos despertares. De início, é importante atentar que abordar a questão no plural não é ao acaso.

O sonho, como via regia do inconsciente, pode ser tomado como uma montagem significante que garante o desejo de dormir. Entretanto, paradoxalmente, o real que o sonho aponta pode ser apreendido com o Um que se desperta. O despertar refere ao encontro faltoso entre o significante e o real, lançando o sonho – aqui, tomado como pesadelo – na mesma lógica dos fenômenos do inconsciente que se apresentam a partir da descontinuidade, tais como, o lapso, o ato falho, o sintoma e a passagens ao ato.

Sair da outra cena do sonho para a cena da fantasia neurótica não refere necessariamente ao despertar. O termo despertar é tomado em diferentes vertentes, passando pelos fenômenos de irrupção de angústia diante do encontro traumático, pelas surpresas da interpretação, pela queda de uma identificação, pelo assombro de um significante novo e, finalmente no último Lacan, o despertar é tomado como impossível, ou seja, algo que não cessa de não se inscrever. Essas diferentes concepções do despertar estão intrinsecamente articuladas a diferentes concepções do final da análise.

Os sonhos traumáticos foram tratados através de relatos dos sonhos de judeus que passaram por campos de concentração. Nos campos de concentração os sonhos visavam a realização do desejo possibilitando preservar o adormecer como forma de defesa frente a um mundo onde o real sem lei impera. Entretanto, ao retomar a vida em liberdade, os sonhos reviviam as crueldades do período de prisão, se constituindo como sonhos traumáticos. Essa experiência limite, aponta que “tudo é ilusão, que não importa qual foi a comodidade encontrada, a vida é só um sonho onde tudo, de pronto, pode desmoronar-se” (KORETZKY, 2019, p. 163-164). A experiência inassimilável retorna, frente à impossibilidade de ser elaborada e absorvida, nos sonhos traumáticos.

O desmoronar de uma ficção se presentifica numa análise que dura, pois o analisante torna-se advertido da irremediável inadequação da ficção frente ao real. Um processo analítico ao começar permite que o analisante construa uma ficção sobre o real de seu gozo. Entretanto, a análise que avança pós travessia da fantasia visa desmontar essa ficção.

A autora trilha de forma cuidadosa e criteriosa a clínica psicanalítica permitindo resgatar a inquietude imprescindível da análise frente aos sonhos e aos despertares. Deste modo, “A interpretação dos sonhos” (FREUD, 1900), trabalho inaugural da psicanálise, ao ser retomado a partir do último ensino de Lacan delineia o deslocamento realizado na própria concepção de interpretação. Em última instância, a interpretação e o pesadelo têm como cerne o real que o umbigo do sonho aponta, possibilitando que um ato de ruptura aconteça. Mesmo que o despertar seja da ordem do impossível, no último Lacan, a ruptura impede que se adormeça do mesmo modo.


Referências
FREUS, S. (1900). Interpretação dos sonhos. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol.IV . Rio de Janeiro: Imago, 1987.
KORETZKY,C. Suenos y despertares: uma elucidación psicoanalítica. Olivos: Grama Edições, 2019.
Back To Top