Rogério Barros (Editor) Pandemia! Covid-19! Um stop no mundo organizado pela nossa realidade fantasiada, e…
A realidade virtual na experiência analítica
Entrevista com Sandra Grostein
AME, AE em exercício. Membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise
Equipe Lapsus (EL):
É possível pensar o ato analítico nas sessões on-line?
Sandra Grostein (SG):
Não. Tal qual nós entendemos o ato analítico, não poderíamos incluí-lo nesta modalidade de trabalho. Para justificar minha resposta, é preciso localizar melhor o que Lacan chama de ato analítico. Uma primeira diferença importante está entre o ato e o fazer. Eles não se confundem, embora, na linguagem coloquial, ambos estejam associados a uma ação. Outra distinção importante deve ser feita entre o ato e a motricidade: não se trata, portanto, de uma ação motriz, embora, dependa do agir, que na modalidade virtual, evidentemente, é da ordem do impossível. O ato analítico se aproxima mais do ato falho, impossível de se prever, programar, preparar. Contamos, portanto, com o elemento surpresa recuperando seus efeitos à posteriori.
Apelemos a uma citação de Lacan no Ato psicanalítico, resumo de seu seminário 1967-1968, publicado nos Outros Escritos, página 373: “cabe portanto afirmar que o psicanalista, na psicanálise, não é sujeito, e que, por situar seu ato pela topologia ideal do objeto a, deduz-se que ao não pensar que ele opera”.
Para podermos incluir nas sessões virtuais algo que possa vir a ocupar o que atualmente entendemos pelo ato psicanalítico, vai exigir da nossa comunidade esclarecer se esta operação do não pensamento possa fazer existir o psicanalista que, através de uma lógica própria, o ato se articula num antes e num depois.
Ousaria dizer que usar o meio virtual para os atendimentos psicanalíticos, forçados pelas contingências que a realidade nos impôs, poderá se tornar, futuramente, um ato. Esta decisão, produziu sem dúvida, um antes e um depois no saber- fazer psicanalítico, é necessário, no entanto, de mais tempo, para compreender os efeitos disto na psicanálise em extensão.
EL:
Que estatuto do corpo se trata nos atendimentos on-line?
SG:
Esta é, sem dúvida, uma questão fundamental, cujas respostas devem orientar as elaborações necessárias que os psicanalistas, que se autorizaram a fazer o atendimento virtual, vão ter que buscar para sustentar esta decisão.
Tendo a pensar que, com o uso do virtual, demos um passo atrás no que vínhamos trabalhando a partir do conceito de “Um-corpo”. Pois, segundo J.-A. Miller (2014), em seu curso Ultimíssimo Lacan, ele vai dizer que o Um-corpo é a única consistência do falasser e é o que ser humano tem levar na análise. E, complementa, se a palavra fosse a única implicada na análise, não se entenderia por que o telefone ou mesmo a internet não seriam meios adequados à experiência analítica. Dizer que não são meios adequados não quer dizer que sejam proibidos, no meu entender. Podem, sim, serem utilizados, desde que se considere as limitações destes veículos. Entre elas, um certo rebaixamento na função do corpo, isto é, manter a psicanálise como pensada a partir da categoria do simbólico, mais à altura do tratamento psicanalítico, do que à experiência do real.
EL:
Como pensar a presença do analista nos atendimentos virtuais?
SG:
Antes de pensar a presença do analista nos atendimentos virtuais, temos que precisar o que entendemos por presença, termo absolutamente imprescindível para a psicanálise. Supõe-se, em primeiro lugar, que os dois participantes da sessão analítica estejam presentes para que haja uma sessão. Se tomarmos a transferência por exemplo, costumamos dizer, não há psicanálise in absentia. Miller (2018), em seu curso Del síntoma al fantasma. Y retorno, na página 208, diz que “há consciência da presença do analista”. Esta presença se torna obstáculo ao trabalho, produz o fechamento do inconsciente, como desenvolve Lacan (1964/1985) no seminário 11, onde, exatamente, ele trabalha este termo “presença do analista”. Ou seja, a presença do analista revela o que há de opaco nas associações ou na própria articulação significante. Além disso, se entendemos que não há psicanálise in absentia, parodiando Vinicius de Morais, dizemos: “a ausência que me perdoe, mas a presença é fundamental”. Fundamental para que o impossível de dizer evidencie a opacidade do desejo, explicitando o que dele há de indecifrável.
Entendo, portanto, que o virtual não interfere diretamente nesta presença, apesar de muitas vezes exigir do analista um manejo mais atento, para que esta presença na tela não se “congele” na condição de obstáculo. É necessário, portanto, apelar à ausência para que esta possa fazer vacilar o semblante desde onde o desejo do analista opera.