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Gênero e Psicanálise

Joe Webb - Selected collages - Stirring up a storm web
Joe Webb – Selected collages – Stirring up a storm web
Wilker França
Associado do Instituto de Psicanálise da Bahia (IPB)

Entre uma visão naturalista que equivale o gênero à programação biológica e uma culturalista que pensa o gênero exclusivamente como uma submissão às normas, Clotilde Leguil (2016) em O ser e o gênero: Homem/Mulher depois de Lacan propõe uma terceira via que tem como bússola a orientação lacaniana.

O título do livro já aponta para a discussão do gênero e sua relação e diferenciação com o ser.  A autora introduz a noção de singularidade apontando para um lugar que passa necessariamente pela relação não anônima de cada um com o desejo e o gozo. O mesmo título também nos orienta para o estilo da autora que se serve do Lacan para alcançar a subjetividade contemporânea.

Nem Freud e nem Lacan se utilizaram do significante “gênero” em seus ensinos. Contudo, muitos mal-entendidos ocorreram dessa relação entre os estudos de gênero e a psicanálise freudiana e lacaniana. Leguil abre a discussão com autores próprios dos estudos de gênero como Butler e Monique Wittig para apontar como Lacan pensou o “homem” e a “mulher” e, nesse imbróglio, ultrapassa o binarismo, apontando para aquilo que sempre escapa ao simbólico. A autora se deixa ensinar pelos estudos de gênero, ao mesmo tempo em que aponta a especificidade da psicanálise diferenciando-a.

Gênero, “[…] mais do que uma norma, um estado ou um atributo do ser, é um caminhar, um percurso, um vir a ser” (LEGUIL, 2016, p. 88). Dessa forma, a proposta é pensar o gênero mais na lógica do encontro, sob o regime da contingência, do que de qualquer determinismo possível.

Utilizando de casos da literatura, como o livro do Édouard Louis (2014) “En finir avec Eddy Bellegueule” e da Catherine Millet (2008) “Jour de souffrance” e de filmes como “Les Garçons et Guillaume, à table!”, a autora constata, na experiência do caso a caso, os impasses e as soluções de cada um para lidar com o seu ser sexual.

Por meio da fala, e também por esse toque de loucura que constitui o charme de cada um, entre a insustentável leveza e a inquietante estranheza, o gênero pode então advir como uma nova tessitura de nosso ser. Uma tessitura que não mais estorva, mas faz cintilar as palpitações do vivo (LEGUIL, 2016, p. 205).

O gênero estaria entre a inquietante estranheza e a insustentável leveza pois despoja o ser de qualquer saber prévio e se relaciona com o programa pulsional. Não está desatrelado daquilo que é abjeto, do fora de sentido, e que surge através do corpo e na relação com o Outro.


Referências
LEGUIL, C. O ser e o gênero: homem/ mulher depois de Lacan – Belo horizonte: EBP Editora, 2016.
LOUIS, E. En finir avec Eddy Bellenguele. Paris: Seuil, 2014.
MILLET, C. Jour de souffrance. Paris: Flammarion, 2008.
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