Wilker França Associado do IPB Esse texto é fruto de alguns questionamentos surgidos a partir…
Causados por uma torção, frente a formação de um laboratório CIEN
Cintia Stauffer de Freitas Barreto
Participante do laboratório CIEN em formação (Psicóloga)
O laboratório CIEN[1] em formação: O que vem com o adolescer: muito mais do que se diz, teve seu início em setembro de 2018, com o convite da Diretora de uma Escola Municipal em Teixeira de Freitas-BA, que se deparou com a automutilação dos adolescentes dos 7º anos, solicitando assim, uma palestra sobre o tema, queriam aproveitar o projeto que já desenvolviam sobre o setembro amarelo, nomeado: Todos pela vida, como prevenção ao suicídio na escola. Ao fazer essa primeira escuta, aproveitamos o convite e fizemos outro convite, oferecendo uma conversação, escuta aos adolescentes com intuito de formar o laboratório CIEN. Desta forma, fomos causados por uma torção, necessária para que fosse possível colocar em jogo a circulação da palavra, numa vinheta prática:
As conversações feitas com as crianças e adolescentes demonstram como aquelas lhes servem para nomear uma parte do nome de seus sintomas e também para se escutarem entre si e saber o que falar quer dizer. Se a psicanálise restitui a particularidade de cada um, é precisamente por não cair num determinismo utilitarista ou consolador e por apostar nas fontes inventivas e poéticas da contingência, do equívoco, do encontro (LACADÉE, 2007, p. 08).
Na conversação trata-se de uma associação livre coletiva, e a associação livre pode ser coletivizada na medida em que não somos donos dos significantes. Como já havíamos participado algumas vezes dos encontros CIEN e NR CEREDA, em outros eventos dos institutos e EBPs ligados ao campo Freudiano, já estávamos fisgados por esse dispositivo e suas inúmeras possibilidades de oferta ao trabalho com a psicanálise Lacaniana. Vale ressaltar que, no interior da Bahia, são inúmeras as buscas, no âmbito escolar. Desse modo, há uma explosão de demandas, nas quais percebemos a dificuldade do corpo docente, coordenadores e diretores escolares, em oferecer uma orientação frente a essas necessidades, pois dizem não estarem seguros e aptos para essa discussão. Pedem socorro!
Diante de uma escuta e conversação, onde não se tem perguntas, dicas, respostas, conceitos prontos e etiquetas, “observamos que, o que acontece produz efeitos, na medida em que tomar a palavra entre vários para falar do que incomoda favorece o aparecimento do imprevisível, do que escapa às explicações dadas anteriormente” (BROWN, MACÈDO e LYRA, 2017, p 109).
Percebemos a partir daí, que uma torção foi pontual para oferecer uma nova modalidade de trabalho, que condiz com a práxis do CIEN e a psicanálise Lacaniana, como uma bússola, uma espinha dorsal que dá direção para o que acontece no real de uma contingência. E ainda que, nas cidades do interior é quase uma prática na educação trabalharem com palestras e outros eventos expositivos, nos quais os alunos não participam ativamente, mas como ouvintes apenas, o que muitas vezes não causa nenhum impasse e consequentemente nenhum efeito, sendo assim, não ressoa na subjetividade da criança e do adolescente.
Entretanto, ao percebermos que nossa atuação faria um “furo” nessa demanda, nos colocamos a trabalho, impulsionados por um desejo, que já se suscitava pelos participantes do possível laboratório. A educação se mostra orientada por um saber pronto e preza a um discurso, do mestre.
Como efeito dessa torção, foi avaliada nas conversações realizadas que é possível uma vinheta prática:
Essa que desfaz as identificações, como disse Lacan, e permite um jogo de vida, como disse Freud. Ela advém de uma nova relação com o outro. Cabe ao CIEN fazer conhecer essa lógica e fazer com que se associem a ela os profissionais que se ocupam das crianças e dos jovens, especialmente mediante relatórios das diversas atividades de seus laboratórios nas diferentes publicações ou jornadas de trabalho do CIEN (LACADÉE, 2007, p. 09).
Diante de tantas questões as quais os adolescentes se deparam em suas histórias, contextos e laços sociais: dor, sofrimento, angústia, separação dos pais, abandono, agressão, desamparo e dor psicológica.
É a criança, na psicanálise, quem é suposta saber, e é mais ao Outro que se trata de educar; é o Outro que convém aprender a se conter. Quando este Outro é incoerente e cruel; quando ele é cruel, quando deixa assim o sujeito, assim, sem bússula e sem identificação, trata-se de elucubrar com a criança um saber ao alcance dela, à medida dela, que possa lhe servir, quando o Outro asfixia o sujeito, trata-se com a criança, de fazê-la recuar para voltar a respirar (BARROS-BRISSET, 2012, p. 09).
Mas se percebe um saber previamente construído, alimentados pelo senso comum e pelas diversas formas de pré-conceito, fracassa diante do mal-estar assim identificado e exige a construção de um novo saber que, em geral, surpreende a todos, pois colocam em jogo novos elementos extraídos da contingência do encontro nessas conversações. O quanto de saber havia ali naqueles jovens que por ora faziam um apelo, com a escuta foi possível perceber o quanto o adolescer era bordeado de questões familiares, sociais, econômicas e afetivas principalmente. Um apelo a serem ouvidos e que a narrativa tivesse um lugar, um endereçamento. Assim a conversação rolou, com o inesperado do encontro, com tantas histórias e angústias presentes, mas com um lugar de fala onde circulou a palavra e o saber do não saber. Foi incrível vê-los tão sedentos, curiosos e ao mesmo tempo desconfiados do que seria a posteriori. Queriam saber se voltaríamos, porque estávamos ali, se éramos pagos etc…Uma enxurrada de perguntas, que ao longo dos encontros foram se acomodando e surgindo outras. As conversações foram se tornando mais frequentes e os efeitos foram sendo percebidos.
A aposta de uma torção só foi possível por já termos trabalhado com as demandas de criança, adolescência e educação, e por já termos participado das jornadas e conversações do CIEN, Brasil a fora, além do desejo suscitado, os textos a respeito, foram de grande contribuição, orientando a nossa práxis.
Após 3 (três) anos de trabalho, sendo que o ano passado, 2020, nosso laboratório foi aceito e reconhecido na comunidade analítica do Campo Freudiano, foi possível recolher e escrever sobre esta experiência tão rica e valiosa. Na atual coordenação, em 2020, estava Mônica Hage, que nos deu muito apoio e suporte nas conversações, sendo pontual esta parceria para o nosso desenvolvimento enquanto laboratório em formação. Atualmente com a nova coordenação, na pessoa de Daniela Araújo, que também tem desempenhado um excelente trabalho, e diante de todas as conversações que até aqui participamos, foi fruto de toda essa trajetória. Inúmeras ressonâncias e trocas de todos os CIEN Brasil os quais nos cruzamos. A modalidade on-line foi um grande facilitador desse encontro, aproximando os laboratórios e o vivo de cada um. Apesar das separações de corpos, foi mantido vivo o desejo de continuar a circular a palavra, mesmo diante do novo, do desconhecido e inusitado ano pandêmico, evidenciando que a contingência “faz a hora e não espera acontecer”, como diz a música de Geraldo Vandré.
Então o Laboratório em formação: O que vem com o adolescer, muito mais do que se diz, se lança ao trabalho com entusiasmo e disposto a novas demandas que virão. E mesmo com tantas fraturas, as quais foram identificadas na escola-família-professor-aluno, a invisibilidade da escola pública e as diferenças sociais, como bem pontuou Fernanda Otoni, sobre desordem pandêmica sanitária e política em uma recente atividade preparatória para o XXIII EBCF, ainda assim existe espaço para novas construções diante de um saber que não se sabe, e seguimos “torcendo” pelo Extremo Sul da Bahia.