skip to Main Content

Discurso universitário como inibidor ao saber

Kazuhiko Nakamura . “Brain Tower”
Kazuhiko Nakamura . “Brain Tower”
Fernanda Brain
Aluna Curso Regular IPB/Bahia

Fui fisgada pela psicanálise mediante seu abrangente olhar para o ser humano e suas relações. Não se tratava das fases do desenvolvimento, tampouco de comportamentos específicos, mas sobre o saber atemporal do inconsciente (FREUD, 1975), de escutar o que está por trás das cenas coloridas que seduzem o olhar. Do enigma daquilo que não é dito e parece ser impossível de compreender.

O volume dos manuscritos da obra de Freud e a riqueza dos detalhes sobre o fluxo do seu raciocínio me impressionava e convidava a seguir acompanhando-o. O mesmo não aconteceu com os seminários de Lacan. Me irritava por não conseguir avançar diante de algumas passagens indecifráveis. A leitura era demorada e quando seguia, ignorando alguns parágrafos, Lacan parecia retornar ao começo do texto e desfazia o que havia dito. A impregnação do discurso universitário, me demandava absorver informações objetivas, nas quais o diálogo com o interlocutor não era possível.

Ao atuar no âmbito hospitalar e posteriormente na clínica, a psicanálise aplicada a terapêutica ressoava no meu fazer. Seguia em análise, supervisão e por uma série de questões não consegui manter estudos mais sistemáticos, atrelados a uma escola de psicanálise. O objetivo de ler toda a obra de Freud e os seminários de Lacan parecia estar cada vez mais inalcançável…

Depois de alguns anos atuando em paralelo no hospital e na clínica, a vontade de escrever a partir do que escutava e articulava com a teoria foi crescendo. Produzi textos para outros destinos que não fosse um evento de psicanálise. Não me autorizava e sentia grande inibição, por não ter conseguido acumular conhecimento o bastante.

Cheguei a pensar fazer mestrado para me sentir autorizada a escrever. Mas me sinto tolhida diante das normas científicas. Gosto de escrever com metáforas, poesia e passagens em primeira pessoa. A ciência poda este formato, exclui o sujeito.

Recentemente, graças ao modelo on line, retornei ao curso regular no Instituto de psicanálise. Foi a partir das discussões sobre “o impossível de ensinar”, que a forma como Lacan transmitiu o seu ensino, fez sentido para mim. Ele considerava o saber construído, mas não se prendia ao mesmo. Via cartéis, abria a possibilidade de conversações nas quais o saber inconsciente poderia advir. Alertava aos seguidores que trilhava o seu percurso. Exercia a clínica viva, do sujeito da enunciação (LACAN, 2006). Quando alcancei esta diretriz, me senti autorizada a escrever com minha ignorância e algo da minha inibição foi diluída. Prevaleceu o desejo ao saber ao suportar o não saber.

Se o ponto de partida para a prática da clínica de orientação psicanalítica é o não saber, a resistência dos aspirantes a psicanalistas ao se depararem com a vasta teoria pode estar associada ao sentido que os discursos universitário e capitalista dão ao saber: consumo e domínio. A submissão à experiência psicanalítica é descartada, assim como a valorização do singular. Tudanca (2008, p.94), constata que “Um sujeito instalado no discurso universitário conhece perfeitamente a lei, mas esta é inoperante em razão do lugar que ocupa”, o lugar de objeto, o astudado segundo Lacan (2006), sem implicação subjetiva.

Garcez (2001) discute sobre o tempo em psicanálise na contemporaneidade. Aponta a pressa no acesso aos objetos de consumo como possível defesa neurótica, através da qual não se conclui e impossibilita a emersão de uma verdade. Ressalta a importância do resgate à singularidade como via para o tempo de cada um versus o tempo do Outro.

É preciso revisitar os conceitos, observar as diretrizes, mas a compreensão da Psicanálise é atrelada ao percurso analítico e à escuta clínica. Acontece na forma como o sujeito habita as palavras[1], faz conexão com as contingências e experiências do sujeito. Este processo se dá no tempo lógico, que não é considerado pela sociedade contemporânea cujo empuxo é produzir mais e com maior velocidade objetos para tamponar a falta inerente ao ser humano.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREUD, S. O Inconsciente, In: Edição standart das obras completas de Sigmund Freud. (Jayme Salomão, trad., v.14, pp 191-248). Rio de Janeiro: Imago,1975.
GARCEZ, M.M., COHEN, R.H.P Ponderações sobre o tempo em psicanálise e suas relações com a atualidade, Psicologia em Revista, 2011.
LACAN, J. Meu Ensino. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.
TUDANCA, L. – Discurso universitário. In: Os objetos a na experiência analítica. Rio de Janeiro: Contracapa, 2008.

[1]  Frase Luiz Felipe curso regular IPB 2021.
Back To Top