Rogério Barros Diretor Geral IPB, Membro da EBP/AMP Frente ao impossível pandêmico que o contexto…
Trans… segregação e gozo
Wilker França
Associado do IPB
Esse texto é fruto de alguns questionamentos surgidos a partir de minha experiência clínica, das discussões suscitadas pela conversação que ocorreu no ENAPOL 2021 “Circulações do amor nas escolhas sexuais binárias e não binárias” coordenado por Pablo Sauce e Luis Francisco Camargo e da conversação ocorrida na Jornada do Instituto de Psicanálise da Bahia deste ano.
Pois bem, gostaria de trazer pontos que se articulam para iniciar uma discussão que é bastante complexa.
O primeiro: Vou apresentar alguns dados para vocês:
Dados da ANTRA[1] (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) dizem que o Brasil é um dos países que mais matam pessoas transsexuais do mundo. E, paradoxalmente, ou não, é o país que mais consome pornografia trans do mundo.
Segundo Marina Ganzarolli (2021)[2], presidente da Comissão da Diversidade Sexual e de gênero da OAB-SP, em entrevista para a CNN, a expectativa de vida da população trans é de 35 anos de vida. Enquanto de pessoas não-trans é de 76 anos.
E 90% da população trans se encontra em situação de prostituição.
“A população T no Brasil tem expectativa de vida de menos de 35 anos, isso é equiparável com a expectativa de vida da Idade Média, quando não tinha penicilina nem saneamento básico”, disse Marina (2021).
O que a psicanálise tem a dizer sobre isso? Como poderíamos pensar a questão da segregação em relação às pessoas transsexuais? Laurent (2014) sublinha, na direção do Lacan,
o racismo muda seus objetos à medida em que as formas sociais se modificam (…) sempre jaz, numa comunidade humana, a rejeição de um gozo inassimilável, domínio de uma barbárie possível (pag. 1)..
O que o ódio dirigido às pessoas trans denuncia? Laurent (2014) é enfático “O crime fundador não é o assassinato do pai, mas a vontade de assassinato daquele que encarna o gozo que eu rejeito” (pag. 1).
Sendo assim, parafraseando Lacan (2002): “Como responderemos, nós, os psicanalistas: a segregação trazida à ordem do dia por uma subversão sem precedentes”(pag. 361)?
E a segunda questão já não é mais sobre a segregação,mas o que os trans podem ensinar à psicanálise lacaniana.
Marcus Andre Vieira (2021) na conferência “El analista y las nuevas sexualidades”, na NEL-Cali, afirmou, e eu concordo com ele, que os trans hoje não são mais o que eram no tempo de Lacan. A explosão do gênero, como afirma Marcus, é uma das “versões do real no sec. XXI”.
Uma das primeiras lições que se deve apreender da questão trans é o quanto ela deixa clara a questão, que é de todo falasser, sobre a inadequação do sujeito com seu sexo. O que fica evidente é que a adequação do gozo ao que se comporta do binarismo masculino e feminino sempre deixa um resto e que a identificação não resolve esse impasse. Assim como a clínica das psicoses, com o inconsciente a céu aberto, muito ensina a clínica das neuroses, me parece que é preciso tomar a transsexualidade como um paradigma para nos ensinar sobre o sujeito contemporâneo.
Fabián Fajnwaks (2021) propôs, em uma atividade do Observatório de gênero, biopolítica e transexualidade que
desde a perspectiva da sexuação, os transsexuais seriam os verdadeiros analisadores do último ensino de Lacan, uma vez que atestam que a significação fálica não funciona mais para operar a diferença sexual.
Se a diferença binária definida pelo falo não dá mais as cartas é preciso escutar os trans para que se investigue sobre as diversas invenções para lidar com o binarismo e o ambíguo da linguagem e quais soluções para o real do gozo.