Pablo Sauce “Um lapsus @temático” Caros leitores, a seguir encontrará um campo múltiplo de leitura,…
O amor espera, o gozo não!
Glauco de Carvalho Morais
“Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar…”
(CHICO BUARQUE, 1993)
O axioma: “não existe relação sexual” (LACAN, 1973/2003, p.454), parte da conjectura que a constituição do sujeito é faltante, que a incompletude é uma condição estrutural. Antecedendo esse axioma e seguindo para uma articulação possível perante essa condição do sujeito, Lacan estabeleceu quatro discursos – modalizáveis em suas disposições – que organizariam as relações entre sujeito, Outro, saber e objeto. O princípio de todo discurso ou laço social é a articulação do campo do sujeito com o campo do Outro, no qual se faz presente a falta, a incompletude.
Em 1970, no Seminário 17 – O avesso da psicanálise, Lacan (1969-70 / 1992) menciona uma “mutação capital […] que confere ao Discurso do Mestre seu estilo capitalista” (Lacan, (1969-70 / 1992, p.160). Uma subversão no matema entre o significante e o sujeito, será suficiente para constituir o que ele denominará, em Televisão (1974), Discurso do Capitalista – nesse discurso, o sujeito não se dirige a um Outro – como nos demais – mas ao objeto. Nessa nova forma de laço, a relação com o objeto é privilegiada e promissora, pois extinguiria o mal-estar e faria existir a hipotética completude – a relação sexual. No matema observamos que os objetos mais-de gozar (a) vêm no lugar da produção e, com um frágil anteparo da lógica significante (S1 -> S2), deixa o sujeito à mercê dos objetos ($ <- a). Isso indica que todo discurso que é conectado no capitalismo, deixa de lado as coisas da falta, do amor. (LACAN, 1971-1972).
Amar e falta são sinonímias, é sobre o amor que Lacan (1960-61/1992) diz: “amar é dar aquilo que não se tem, a alguém que não o quer” (p.122). Ainda que enigmático, esse axioma lacaniano resulta numa redundância lógica, visto que para amar, o sujeito precisaria reconhecer que há algo em si que falta e que supostamente estaria no outro.
O tema da busca pela felicidade não é novo à psicanálise, em “O mal estar na civilização” (vol. XXI), Freud destaca que nossa própria constituição limita à possibilidade de felicidade, visto que: ‘’ existe algo na natureza da pulsão sexual desfavorável a obtenção da satisfação plena”. Frente a existência que é gravosa, traz dores, desenganos e tarefas insolúveis, para tolerar isso que é próprio da constituição, Freud diz: “Para suportá-las, não podemos prescindir de calmantes” e os situa em três tipos: distrações poderosas que nos fazem valorar um pouco nossa miséria, satisfações substitutivas que a reduzem, e substâncias inebriantes que nos tornam insensíveis a ela. O último grupo se diferencia dos outros, enquanto nos primeiros se busca reduzir a dor de existir, no último há algo do tornar-se insensível aos fatos, a vida.
Frente a condição da felicidade – que é sempre episódica e parcial – uma possível maneira de contornar essa limitação é fazê-la constantemente exigente e imperativa. Fazer do acaso um dever que consiste em obedecer à exigência de gozo superegoico: “Goze!”, algo frequente no contemporâneo, visto que a atualidade, reflexo dos avanços tecnológicos e científicos, além de oferecer um consumo desenfreado, responde a esse imperativo categórico: goze!, que pode ser lido como um empuxo ao gozo – com ou sem o Outro.
Se por um lado, com a ação da linguagem sobre o corpo, da entrada no campo do Outro, perde-se o acesso direto ao gozo e, responder ao imperativo categórico: goze!, de forma incessante e desenfreada é uma das tentativas de acesso a esse gozo inacessível; por outro, ser falante implica em necessitar do amor – “dar a falta”, entregar aquilo que não se tem…
O gozo é do corpo próprio, o desejo é do sujeito – efeito da articulação significante resultante da submissão à linguagem. Entre eles, o amor como ponte, como o que faz laço. As tentativas do sujeito contemporâneo em estreitar seus laços com o objeto, retirando da cena o Outro são inúmeras, mas o gozo sem o Outro é devastador e mortífero.
O laço, o amor, se faz necessário para a constituição do sujeito. Enquanto localizado no corpo, o gozo só poderá encontrar o desejo se passar pelo campo do Outro, já que: “O que vem em suplência à relação sexual – que não existe – é precisamente o amor.” (LACAN, 1972-73/1985, p.62), o mesmo amor que permite ao gozo, condescender ao desejo (LACAN 1962-63/2005, p.197).
REREFÊNCIAS
Holanda, C. B. Paratodos. Futuros amantes. 1993.
Freud, S. (1930 [1929]) O mal-estar na civilização. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
Lacan, J. (1960-1961). O Seminário, livro 8 – A transferência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.
Lacan, J. (1969-1970). O seminário – Livro 17 – O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1992.
Lacan, J. (1972-1973). O seminário – Livro 20 – Mais, ainda. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
Lacan, J. (1971-1972). O seminário – Livro 19 – Ou pior. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
Lacan, J. (1974). “Televisão”. Outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.