Pablo Sauce “Um lapsus @temático” Caros leitores, a seguir encontrará um campo múltiplo de leitura,…
O que significa adotar um corpo pensando isso a partir do autismo.
Graziela Pires associada ao Instituto de Psicanálise da Bahia
Ecos da apresentação do dia 03 de agosto de 2022 feita pela Cristina Maia[1], coordenadora do Núcleo, uni-duni-tê em Campina Grande. Foram apresentadas suas costuras entre os textos “Bordas do corpo”[2] de Ana Simonetti e o “O sujeito autista, seus objetos e seu corpo”[3] de Laurent.
Na apresentação foi feito um percurso para construir o conceito de borda e sua relação com o objeto, as ilhas de competência e o que a partir daí a psicanálise aposta como via de acesso e laço para uma estrutura autista, já que a importância de uma borda na constituição de um corpo, é fundamental para a relação com o outro.
Como, a partir de uma estrutura autista, seria possível constituir uma borda? Cristina em seu percurso nos aponta essa resposta.
Vimos na apresentação que o autista não tem o envoltório corporal, por isso ele se utiliza de uma carapaça. Como a borda não se efetiva, essa carapaça, seria um anel barreira, (Laurent) ficando aí, cerrado e funciona como uma proteção ao sujeito, que lhe permite defender-se das manifestações do outro.
Foi feita a questão: como para esse sujeito sem borda, instituir um limite que faça função de borda? Laurent vai dizer que os objetos (que podem se acoplar ao corpo) podem servir para a construção de uma borda.
O analista entraria aí no corpo a corpo, dando sustentação ao que Cristina chamou de jogos de inclusão e extração, considerando que, é na medida que o objeto se afasta do corpo que se pode introduzir a troca no laço social. Nos lembrou ainda que a borda em Lacan[4], esta como a superfície que a pulsão atravessa. O sujeito joga o laço na tentativa de satisfazer da pulsão, alcançando o objeto, mas ele lança para não içar nada, porque não vai encontrar o objeto. O que se apresenta aí é um vazio ocupável, por qualquer objeto. É esse objeto que Lacan chama de objeto a.
Então, equivalente a carapaça de defesa do autista, a borda constituiria exatamente essa “neobarreira” que lhe dá condições de se defender das manifestações do Outro. Laurent percebeu que, diferente da psicose, o retorno do gozo no autismo se dá nessa borda, nessa zona fronteiriça, possível de ser transposta. Assim o próprio corpo do autista é uma “neoborda”.
Pudemos constatar a importância do objeto exatamente para a exploração da clínica psicanalítica no que tange ao autismo. Vimos que, a aparelhagem do corpo do sujeito com a máquina vivifica.
Sabemos que os autistas se apresentam mais íntimos dos objetos do que das pessoas e sabemos que a inclusão, de alguns objetos, pode ter a função de inserção no laço social. Esses objetos não são eleitos a toa e são de um auxílio fundamental na sua defesa e na criação de laço social.
Cristina nos trouxe que os objetos podem ser simples ou complexos. Os objetos simples estariam a serviço de uma sensação autoproduzida, engendrada pelo próprio corpo do autista, causando satisfação. Seja qual for sua forma, é inegável que essa preferência possibilita um tratamento à imagem do corpo, fazendo barreira ao mundo externo, o que defende o autista da angústia. Ao mesmo tempo, vivifica este corpo mortificado concedendo ao autista um certo dinamismo, pois se oferece como borda para um retorno do gozo.
Segundo Maleval[5], caso participe de uma ilha de competência, esse objeto simples se tornará o objeto complexo cujas ramificações podem muitas vezes se estender ao campo social chegando até a desembocar numa profissão que dê autonomia ao autista. Há de alguma forma um saber do autista sobre os benefícios que o objeto pode proporcionar.
Cristina nos trouxe também a imagem do duplo e o objeto autístico, que consistem em ingredientes que compõem a borda e concorrem para a estabilização e calmaria do autista.
Vimos com Cristina que o autismo não é uma patologia, mas, segundo os Lefort[6] uma quarta estrutura, ou segundo outros autores uma maneira própria de estar no mundo.
Ao escutar a transmissão, fica para mim, a seguinte questão: a psicanálise segue um caminho contrário às psicologias, pedagogias e áreas de saber que tentam ensinar ou consertar algo no autista. Ser dócil ao duplo, aos objetos é se permitir ensinar por eles, os autistas, qual o caminho possível a seguir.