Lapsus, a-mostra… sua causa Pablo Sauce “Membro da EBP/AMP Caros leitores, Os aguarda neste número…
Maternidades, trabalho materno e a importância do desejo não anônimo
Karynna M. Barros da Nóbrega
Membro da Seção Nordeste EBP/AMP.
Professora adjunta do curso de psicologia da
Universidade Federal de Campina Grande – UFCG
“O papel da mãe é o desejo da mãe. É capital. O desejo da mãe não é algo que se possa suportar assim, que lhes seja indiferente. Correria sempre estragos. Um grande crocodilo cuja boca vocês estão – a mãe é isso. Não se sabe o que lhe pode dar na telha, de estalo fechar a sua bocarra. O desejo da mãe é isso.” (LACAN, 1992, pág. 105)
Conforme Barros (2018), houve algumas mudanças na sociedade pós patriarcal, em relação a maternidade: primeiramente as mulheres passaram a ter a liberdade de poder escolher ser ou não mãe, o que antes era, em certa medida, um destino forçoso destinado as mulheres. Além dessa liberdade de escolha houve a legalização do aborto, a comercialização e uso dos métodos conceptivos. Isso permitiu uma dissociação entre o ato sexual da reprodução. Assim, foi possível a mulher gozar do ato sexual, sem necessariamente engravidar ou visar ter um filho, legitimando o direito e o desejo da mulher gozar do próprio corpo, sem ser mãe.
A modernidade tem promovido algumas mudanças em relação a maternidade. O avanço tecnológico permitiu que algumas famílias que desejavam ter filhos, e não tinha em virtude de algum impedimento biológico, que esse sonho fosse possível, seja por meio da reprodução assistida ou por meio do processo de adoção.
Para Calligaris (2019) a cultura ocidental foi construída em torno do ódio endereçado as mulheres, ou melhor ao feminino, que remete ao mal, ao demoníaco e aquilo que não se pode controlar, especificamente o sexo, o desejo sexual feminino. Se por um lado há um ódio endereçado a mulher, por outro, paradoxalmente há um culto à maternidade, imaginariamente concebida como algo sagrado, a mãe enquanto aquela que não apresenta desejo sexual e remete a pureza.
Barros (2018) nos ensina que a maternidade é um trabalho inegociável, e singular. Cada mãe inventa, não sem o Outro, a própria maternidade dentro do seu possível, em virtude das experiências vivenciadas, das experiências de corpo e de discurso que nos compõe. Com isso, a psicanálise nos ensina que não há um saber pronto e inato sobre a maternidade, nenhuma mulher está preparada para esse acontecimento. O significante maternidade marca a vida das mulheres, seja as que escolhem ou não serem mães.
Na conferência 33 Freud menciona que a maternidade é um dos destinos da sexualidade feminina, lendo Freud com Lacan aprendemos que esse destino da sexualidade feminina é um modo de gozo fálico, já que está orientado pelo falo. Ou seja, a maternidade é uma solução da sexuação do lado do ter, encarnando o Outro da demanda.
Com Lacan, aprendemos que somos feitos e efeito do encontro e desencontro com a língua do Outro. Entre a mãe e um filho haverá desencontros e o filho é um acontecimento, algo que é recebido, remete ao objeto a. Podendo ser um objeto causa de desejo ou objeto dejeto, quando remete a um estranhamento. Toda mulher ao parir, pari o desconhecido, assim a maternidade convoca a mulher ao trabalho de dar um valor libidinal e fálico a criança quando isso não é possível a criança fica exilada do campo do Outro. (BARROS, 2018)
Em muitos casos em especial na neurose, a maternidade é uma causa, uma experiência que permite a mulher reconhecer no filho o objeto do seu amor e de seu desejo. O laço entre a mãe e o filho é para a vida toda, há um jogo libidinal que permeia a relação mãe e filho, por meio dos objetos que são perdidos e fazem parte de um processo de separação, a saber: a placenta, o cordão umbilical, o peito, as roupas, os sapatinhos, os objetos que caem, a mãe faz uma mediação do sujeito apresentado o mundo e fazendo uma relação com a dimensão do real da vida. (BARROS, 2018)
A maternidade para psicanálise é um acontecimento, uma experiência libidinal responsável pela tessitura de um lugar no campo simbólico para a edificação de um sujeito de desejo. Em termos lacanianos é condição sine qua non para o sujeito ser sujeito ter um lugar no campo do Outro. Com Freud aprendemos que a fundação do humano se orientava por meio do romance familiar com a trama edípica que produz um mito de origem. Lacan (1999) em As formações do inconsciente divide didaticamente o Complexo de Édipo em três tempos demonstrando a lógica pulsional, do desejo e da linguagem entre a mãe, a criança -o falo e o pai.
No primeiro tempo há uma relação simbiótica entre a mãe e a criança, essa se assujeita imaginariamente a mãe. No segundo tempo o pai aparece como aquele que priva a criança da mãe, o pai é nesse tempo o onipotente. No terceiro tempo, o pai aparece como sendo o portador do falo e com isso instaura o falo como o objeto causa de desejo da mãe. Assim, o pai passa a ser aquele que possui a insígnia do desejo materno. Nesse tempo, se instaura a metáfora paterna e a identificação com o pai, Ideal do eu. Assim, o desejo materno remete ao real e a metáfora paterna a rede de significantes que nomeiam o desejo materno. A mãe é aquela quem funda o pai, ou seja, ela valida o dito do pai por meio do laço de amor e de respeito, o que ele diz não é equivalente a zero.
Para Barros (2015) a mãe é um equivalente de um desejo e esse desejo determina o lugar da criança no mundo, logo a criança é a significação desse desejo. O destino de um filho tem relação com o desejo materno e sua articulação com o significante os nomes-do-pai, assim não existe o desejo materno, sem o significante nome-do-pai.
Para Lacan, a metáfora paterna remete ao simbólico que nomeia o real do desejo materno e mostra que a fundação do humano está permeada pelos desejos da mãe endereçado ao filho e que o pai promove a separação e a nomeação desse desejo, liberando a criança para se constituir enquanto sujeito de desejo. Primeiro é preciso contar com o desejo do Outro, para num segundo tempo poder se separar dele, essa é a lógica da neurose, na psicose não há a dimensão do terceiro que separa o sujeito do desejo materno, ficando a criança alienada ao fantasma do Outro.