Pablo Sauce “Um lapsus @temático” Caros leitores, a seguir encontrará um campo múltiplo de leitura,…
Contemporaneidade e sintoma obsessivo
Ruth Cavalcanti
Aluna do Curso Regular do Instituto de Psicanálise da Bahia
“Não é certo que a histeria ainda exista. Mas se há uma neurose que ainda existe é a neurose obsessiva” (LACAN, 1979, p. 219-220, apud BARROS, p. 84)
Afinal, por que a neurose obsessiva certamente ainda existe e é chamada neurose do futuro? A hipótese é de que o declínio do Nome-do-pai e do falo como significante do desejo tenham feito com que esse prevaleça como significante do gozo, por meio de imperativos que aparecem nas compulsões, obsessões ou fantasias. Atos automáticos e em série poderiam ser tomados como compulsões, nas quais se alinhariam as toxicomanias, as depressões e os fenômenos de desinserção social, todos marcados por uma mudança na relação com a alteridade e o declínio da função paterna. “O que está em questão não é sua existência, mas a possibilidade de, por um lado, formarem uma unidade clínica, e, por outro, de serem endereçadas aos psicanalistas para tratamento” (Ibid, p. 110-115).
Podemos observar como as obsessões e compulsões ainda se fazem presentes na clínica e nos laços sociais. Sabemos que os sintomas não são desligados da sua época e é interessante observar como a maior prevalência da neurose obsessiva, hoje, é alimentada pelos dispositivos sociais, que funcionariam como um estímulo, no sujeito, ao recrudescimento dos sintomas obsessivos, com maior nível de angústia. Isso pode ser observado, por exemplo, nas redes sociais, na constante busca por likes do Instagram, ou na ansiedade por respostas imediatas no Whatsapp.
O neurótico obsessivo tem uma fantasia erotomaníaca de oferecer ao outro uma bela imagem de si (ALVARENGA, 2019, p. 118). Nessa conjuntura, as redes sociais abastecidas por imagens laboriosamente editadas, postadas de forma quase compulsiva, tornam-se uma fonte praticamente inesgotável para a sustentação do sintoma obsessivo.
Como o próprio Freud ressaltou, nos casos de neurose obsessiva, prevalece a onipotência atribuída aos pensamentos, sentimentos e desejos. Onipotência que conflita com a impotência dos impedimentos, dúvidas e proibições que marcam a impossibilidade do desejo para o obsessivo (FREUD, 2013, p. 94-95).
Sérgio de Campos nos mostra como o obsessivo lança mão de diferentes estratégias para se defender, de forma a ocultar o seu desejo e estar sempre pronto para a guerra (CAMPOS, 2015, p. 164). Numa sociedade que estimula a competitividade, busca a super competência, máxima eficiência e grande desempenho, onde todos são observados pelo Big Brother das redes sociais, o obsessivo é levado a aprimorar seus “talentos naturais” e, ao mesmo tempo, se angustia diante dos imperativos que exigem dele sempre uma proeza maior para que se sinta reconhecido.
O momento contemporâneo tem criado uma mentalidade social que parece mimetizar o psiquismo do sujeito no campo da neurose obsessiva, formando uma estrutura que potencializa a culpa e paralisa o desejo. Por outro lado, a aliança entre ciência, tecnologia e capitalismo parece potencializar alguns traços de neurose obsessiva observados, nos nossos dias, pela modificação das relações do sujeito com os objetos de consumo (BARROS, 2012, p. 69).
Atualmente, não concentramos o nosso desejo por muito tempo em um só objeto, mas em uma série, em princípio, infinita de artigos de consumo (BAUMANN, 1999, apud BARROS, p. 70). “Como disse Lacan a respeito da neurose obsessiva, há um predomínio da metonímia, e, em consequência, o sujeito fica impossibilitado de saber que objeto causa o seu desejo” (Ibid, p. 71). “O ideal para o obsessivo é que esse movimento fosse infinito, que nunca houvesse um ponto de parada, pois, enquanto se mantém o deslizamento, não se impõe para ele a questão do seu desejo, que pode se manter impossível” (Ibid, 49).
Direção do tratamento
O sintoma obsessivo é uma tentativa de restituição do falo, de fazer existir a potência. Como tratamento, Elisa Alvarenga sugere que o manejo clínico não leve à restituição desse falo como instrumento do poder, mas a fazer do falo o significante do desejo e permitir que o sujeito se confronte com a castração, primeiro no campo do outro, depois chegando a subjetivar a sua própria castração. “Só quando o sujeito percebe que não é o falo, é que ele poderá tê-lo ou não tê-lo (ALVARENGA, 2019, p. 52-54).
Diante de um analisante com traços obsessivos, o analista procura perturbar a defesa, possibilitando a histerização do discurso, “para indicar uma modificação na posição do sujeito que lhe permita falar a partir da sua divisão, e não somente, como seria natural no caso das obsessões, das suas defesas” (BARROS, 2012, p. 31). Esta é também a condição para entrada em análise. “A entrada no dispositivo analítico permite sair do funcionamento compulsivo, onde prevalece a posição fálica, ou do funcionamento oblativo, que gira em torno dos objetos oferecidos ao Outro” (ALVARENGA, p. 118). É preciso atravessar a fantasia fálica, a fantasia de completar o outro ou degradá-lo.
O dispositivo analítico parece funcionar para os sujeitos obsessivos somente depois de uma passagem pela transferência negativa, sob a forma de desconfiança ou hostilidade (BARROS, 2012, p. 37). Assim, depois de o analista sobreviver a esse momento, a sua intervenção pode se manter num sentido mais ativo, não só interpretando, mas por meio de atos procurando ‘sacudir’ o sujeito, buscando que ele saia do gozo fálico para um gozo mais flexível, não-todo fálico, e possa lidar com o gozo feminino, na mulher e nele mesmo. O manejo teria o sentido de quebrar a fortaleza fálica, para que o analisante possa sair de uma posição enrijecida e permitir uma maior aproximação do outro. O analista buscaria, assim, levar o analisante a sair da oblatividade, dar o que se tem, para a generosidade, dar o que não se tem (ALVARENGA, 1921).
De modo geral, os sintomas compulsivos atuais se mostram dispersos e recusam, a princípio, o saber que estaria contido na interpretação. Acompanhando Barros, é possível verificar que:
Se antes era a esperança de produzir um saber sobre a causa do seu sofrimento que mobilizava alguém até a análise, agora é o próprio encontro com o analista que tem a função de despertar o saber e fazer com que o sintoma, que se apresenta inicialmente como pura repetição, produza o seu Outro e de alguma forma permita a construção de um laço social possível (Ibid, p. 115).
Em tempos de novos/velhos sintomas, cabe ao analista ir além da interpretação e ser capaz de suportar este lugar de transferência negativa ou até mesmo inexistente e se oferecer como objeto de amor e ódio ao sujeito que experimenta uma satisfação solitária com o seu sintoma.