Lapsus, a-mostra… sua causa Pablo Sauce “Membro da EBP/AMP Caros leitores, Os aguarda neste número…
CLOSE: Fechado (in)familiar
Raquel Matias Correia Lima
Associada ao Instituto de Psicanálise da Bahia (IPB)
Na famosa frase de Lacan (1962/63) sobre o amor, “somente o amor é capaz de fazer o gozo condescender ao desejo” (LACAN, p.197), podemos pensar em um possível negativo dela, no qual, quando falta amor, o gozo feroz é capaz de devorar o desejo, inclusive de viver, e mesmo em idades muito tenras.
No delicado e profundo filme Close – cujo título nos remete ao imperativo “feche!”, mas também a uma proximidade, uma familiaridade – vemos o jovem Rémi vivendo um amor com as mesmas características do filme.
Mas os descaminhos do desejo e do amor podem falar desses elementos pelos seus reversos: o gozo mortificante.
O que podemos ler nessa história e o que ela pode nos contar acerca da clínica atual com adolescentes?
Pensar clínica contemporânea, implica em situarmo-nos na clínica do gozo, a clínica do Real, e não apenas, mas a clínica da inexistência do Outro, cuja perda de contornos desse gozo, bem como leis que interditam a relação do sujeito com seus objetos de gozo está fragmentada.
Seria então escutar uma clínica sem sujeito, uma vez que não há Outro?
O que nos chega à clínica contemporânea requer uma escuta sutil, que possa ver o mais além do Édipo, seus arranjos e desarranjos que carregam tanto saber quanto aquilo que aparentemente deu certo.
Porém não há nada mais fácil de pensar que não deu certo do que a passagem ao ato suicida. Ainda mais quando se trata do suicídio de um doce menino de 13 anos, cercado de amor, carinho, presença e amparo parentais. É uma incompatibilidade cronológica e de paradigmas familiares tal que não há espaço para se pensar em morte. Mas, também na adolescência, há uma força para além do cronos e do paradigmático, que aponta para o lógico, para a intensidade, e que isso sim, muito mais que o tempo, está ligado à vida e à morte. O quão intensa a palavra incidiu sobre um corpo? Isso é permanência, é o que leva à trilha da repetição, é onde nossa escuta deve farejar os vestígios da vida e da morte.
Rémi, após toda uma infância de intensa amizade e amor com Léo, se vê emboscado pelas trapaças do adolescer, de ter que invariavelmente ter que a ver-se com sua sexualidade, com seu desejo, e, por vezes, com os (curtos)circuitos do amor.
A intimidade proposta pelo título Close nos convida a uma escuta próxima, mais ainda. De uma sutileza rara, bem como de uma beleza inacreditável diante de algo tão assombroso quanto o decidir desistir de viver, quando se perde a nomeação de ser amado d’Aquele ser fundamental. Uma perda que resulta em um abandono, desamparo e exclusão fundamental.
Quando os pais, a escola, os célebres Outros não têm mais a mesma consistência que outrora se escutava na clínica, as identificações massivas com o objeto de amor se tornam mais evidentes, bem como suas rupturas também se expressam de forma mais devastadoras, como verdadeiros terremotos em corpos frágeis com a incidência do real sobre estes.
Viver algo que tem cores do gozo feminino, de um prazer impossível de apreender em palavras, irrepresentável, e que aparentemente está autorizado pelo laço familiar, e subitamente ser convocado a falar desse gozo oceânico diante de uma plateia voraz pelo aniquilamento da alteridade nos modos de gozo? E se o gozo feminino é justamente isso que não cabe nem mesmo em palavras?
Essa perda absoluta de referências, esse abandono massivo, quando a identificação era o único ancoeur(a)d’ouro, promove autorrecriminações que são deslocadas desse objeto amado para o eu, visto que havia uma identificação do eu com o objeto abandonado. Desta forma, a sombra do objeto recai sobre o eu, assim a perda desse objeto resulta em efeito de perda de valor do próprio eu, que se recrimina, então, como dejeto.
O movimento sádico, do eu contra si mesmo, se estabelece, pois não há a distinção do eu e do objeto, não há uma lei que estabeleça um corte entre o sujeito e o objeto de desejo.
Por vezes, uma incapacidade de escutar as súplicas por parte daqueles que operam a lei, não por falta de amor, mas justamente porque o amor é a única lente utilizada para enxergar os laços. E desta forma, as garras nefastas tanto da homofobia, quanto do supereu devastador, alcançam existências ainda mais suscetíveis a execução da morte de si como única saída para o horror de ver-se absolutamente só e como dejeto.
Talvez, tanto o filme Close quanto também a ária O Rei Elfo de Schubert – onde um jovem avisa a seu pai que está ameaçado por algo que o pai não é (mais) capaz de enxergar – em ambas obras podemos ser tocados pelo inexplicável de que, não por falta de amor ao filho, mas talvez pela capacidade de velar o pior que é própria do amor, justamente aí, o velamento dos perigos do real da vida tão frágil, deixa o sujeito desamparado frente à ferocidade do ódio do outro, abalando seu mais íntimo sentido de existir, posto que se caiu na grande boca devoradora do ódio contra si mesmo, que é o Rei Elfo implacável do suicídio.