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nº 10 | Ano 4 | Dezembro de 2015

 

Retrato do colegial adolescente: Sigmund Freud

Mario Elkin Ramírez

 

Freud escreve sua Psicologia do colegial fazem cem anos, mas os acontecimentos que rememora ocorreram na sua adolescência, quer dizer, entre 1865 e 1873, quando, adolescente, entre os nove e dezessete  anos, estudou no Leopoldstädter Kommunalreal und Obergymnasium de Viena. Colégio que logo mudou o nome pelo da fundação que o convida em outubro de 1914 a escrever o texto mencionado, pelo motivo do 50º aniversário dessa instituição.
Da época evocada nesse escrito, há também outros testemunhos na correspondência que Freud mantinha com seu discípulo e amigo Eduard Silberstein desde 1871 até 1881, quando Freud tinha entre 14 e 24 anos.


Essas cartas revelam os sentimentos e preocupações de um colegial muito inteligente, mas muito pobre, que deve ficar em Viena quando seus camaradas saem de férias; um colegial que estuda até o esgotamento, ávido pelo saber em seus múltiplos domínios. É notável, por exemplo, que com Silberstein, o jovem “Sigui” tenha criado uma “Academia Casteliana” composta somente por eles dois, mas que tinha incluído um selo que ficava impresso na cera com que selavam suas cartas, ao modo das cartas da realeza. Essa “Academia” foi fundada para aprender espanhol e ler o Quixote.
Grande parte da correspondência de Freud com Silberstein, antes do ingresso de Freud na Universidade, está dedicada à aprendizagem do espanhol, ao comentário de suas leituras dos clássicos, como Homero, Hesiodo, Sófocles. Com isso, esses dois adolescentes se entretinham.


A primeira frase da sua Psicologia do colegial diz:

 

A gente tem um raro sentimento quando, já com idade avançada, volta a receber a ordem de redigir uma “composição em alemão” para o colégio, mas obedece de maneira automática, como aquele veterano  frente a voz que diz “Atenção!” se vê constrangido a levar as mãos as costuras da calça, deixando cair no chão o seu pacotinho. É assombroso o quão de pronto se responde que sim, que colaborará, como se, nos últimos meio século, nada tivesse mudado. Porém, a gente  envelheceu desde então, já frisando os sessenta anos, e quanto o sentimento do corpo próprio como o espelho lhe mostram de maneira indubitável o quanto a vela da sua vida já queimou.1

 

Desse primeiro paragrafo, sublinho três significantes: “ordem”, “obediência”, “constrangimento”. Eles nos falam de uma Escola que Freud compara a milícia, referente a interiorização de uma disciplina militar a que se obedece de maneira automática, mesmo na idade adulta.


Trata-se de uma Escola disciplinar que formou seu corpo e seu espírito de tal forma que, ante a um pedido de colaborar com um artigo de aniversário, sem mediação da consciência, ressoa nele a ordem de um dos seus mestres durante a adolescência de redigir uma “composição em Alemão”. Ou seja, uma situação que implica um exame, uma avaliação. É pertinente recordar uma carta que escreveu para outro camarada adolescente, Emil Fluss, em que Freud orgulha-se de ter recebido um elogio desse professor de alemão, justamente, quem lhe assinalava que ele possuía um estilo. Seguramente, é a voz desse professor que ressoa em seu inconsciente, como uma ordem, quando recebe o convite para escrever o artigo em questão.


Quando uma obediência automática responde, mesmo na idade avançada, ante ao estímulo de uma demanda por parte de uma instância escolar, isso expressa, em primeiro lugar, que se trata de um processo inconsciente, atemporal, que não leva em conta o envelhecimento corporal e o vivido, porque faz com que se responda de modo automático a maneira antiga, púbere, mesmo quando o envelhecimento e a deterioração corporal deveriam ser dados que fixaram uma distância entre a ordem e a reação. Mas, em segundo lugar, trata-se também de uma pegada em um corpo disciplinado, o de Freud. É algo que, para ele, apresenta-se compatível com a reação do veterano de guerra ou do exército, que leva as mãos a costura da calça e se põe “firme” frente ao chamado do seu superior: “Atenção!”.


Em outro lugar, Freud analisou os sonhos escolares que carregam, para aquele de dorme, uma angustia de exame. Ele diz que esses sonhos tampouco levam em conta a idade daquele que dorme que, apesar de estar separado dos ditos deveres colegiais, ainda sonha que está ali vivendo de novo, com angustia, a incapacidade de responder corretamente a prova. Esses sonhos são sonhos de castração.


De maneira similar, inferimos que esse corpo disciplinado desde a adolescência faz com que Freud se veja de novo confrontado com a castração ante a “composição em Alemão”, evocada pelo pedido de uma colaboração para o 50º aniversário do seu colégio. Frente a autoridade reconhecida e consentida, Freud se reconhece castrado.
Com os termos da sua segunda tópica, diremos, revisando de maneira retrospectiva esse escrito, que já não se trata de uma voz exterior do seu mestre, mas a voz interior de seu supereu, resto identificatório do complexo de Édipo reforçado na vivência colegial pela figura de seus mestres que vem como substitutos da instância paterna. Aparece o objeto voz enodado a ordem. Uma voz de um outro para ele que, tempos depois, inventará, de modo inédito, um método para escutá-la e inferí-la; uma teoria cientifica da armação do espírito, um método de investigação da clínica do psiquismo e um tratamento psicoterapêutico.


Um supereu, entretanto, que une o desejo e a lei no singular caso do adolescente Freud. Em outra carta a Silberstein, quando tinha o projeto de ir encontrá-lo na Inglaterra, diz: “meu pai não quer e, obviamente, não vou me opor”.


Porque um supereu que enodou o desejo a lei? Porque não apartou o desejo de saber, senão que, ao contrário, o conduziu a impor a si mesmo, por puro prazer intelectual, jornadas de estudo que o deixavam exausto 2. É algo também comentado por Walter Boehlinch, quem estabeleceu em francês o texto dessas cartas de juventude: “Freud se mostra menos severo com Silberstein que consigo mesmo”3 . Aí já se mostra um traço da relação do adolescente Freud com a lei.


Apesar do enodamento do desejo com a lei nessa instância psiquica de Freud adolescente, é preciso dizer que em algumas passagens dessas cartas, Freud se mostra como um grande moralista frente aos costumes sexuais livres dos homens e débeis das mulheres, que faz com que escreva: “elas não possuem as normas da ética”4 . Porém, não busca justificar essa debilidade na natureza, mas nas convenções da sociedade burguesa.


Assim mesmo, sua capacidade intelectual não lhe abrigava completamente do sem sentido que vivenciava na puberdade, em outro momento, referente a essa vacuidade angustiante de sua vivência adolescente. Por exemplo, ele declarava a seu amigo: “A vida não é uma das coisas mais estúpidas que existem?”5. Defendia-se depois dessa declaração, atribuindo-a ao seu “[…] estilo absurdo [estilo que seu professor de Alemão havia reconhecido como notável] que não me permite dizer o que quero, se de todas as maneiras, minha última carta poderia fazer-te crer aquilo que supõe. Estou mais feliz do que nunca, e é unicamente nos momentos em que não me vigio que esse humor que havia encerrado se apodera de mim”. 6


Recorde-se que é um colegial de 16 anos que escreve isso. Há um tom de pesadelo, mas também já denuncia uma certa impossibilidade de fazer-se entender, de algo de si que não pode ser dito, ainda que atribua essa impotência ao seu estilo. Lacan dirá, logo, que isso é devido a linguagem que não chega a cobrir o vasto mundo do ser de gozo. É o real que não pode nomear.
Mas Freud adolescente se encontrou, como todo adolescente e, em geral, como todo humano, com um limite da linguagem para dizer tudo o que sente. A despeito disso, esforça-se, estuda outros idiomas, é ávido de literatura clássica e dos românticos que lê e memoriza com paixão o que o fará poder, anos mais tarde, cita-los em sua obra com grande elegância e pertinência.


Nessa mesma carta, conta a seu amigo que, quando sua mãe pronunciou na mesa o nome de Gisela, a jovem por quem Freud teve um entusiasmo amoroso na época, diz: “A inclinação fez sua aparição como um belo dia de primavera. Somente meu absurdo hamletismo, minha timidez mental me impediu de encontrar satisfação e prazer em entrevistar-me com essa garota, metade ingênua e metade culta” 7. Gisela era irmã de Emil Fluss e se Freud adolescente, de maneira muito orgulhosa, esteve pregando aos quatro ventos o elogio ao seu professor de Alemão, ao contar a Emil, era também uma forma de inteirar a Gisela, por quem sente essa inclinação amorosa e por isso recomenda a Emil Fluss que guarde essas cartas, pois de pronto, algum dia, ela terão muito valor.
Já é uma maneira de nomear aquilo que Lacan dizia em seu prefácio Despertar da primavera sobre o desencontro dos sexos como o maior trauma púbere; encontrar-se com o que não há de harmonioso no encontro entre os sexos. Freud aí se identifica  com Hamlet por seu estilo pesaroso ao passo em que identifica em Gisela, metade ingênua e metade culta, uma certa Ofélia.


Mas não era um adolescente triste, hamletiano e transcendente o tempo todo, e assim, em 10 de julho de 1873, conta ao seu amigo: “Passei com êxito no exame, com ajuda de Deus, obtendo um certificado de bacharelado com menção honrosa? […]… pude dormir tranquilamente pela primeira vez em quatro semanas […] encontro-me em uma espécie de embriaguez, luz de espírito, como as pessoas se sentem depois de desembaraçar-se de um pesado fardo” 8.


Essa carta é contemporânea daquela outra onde ele dizia: “morra o bacharelado, que viva o bacharelado”.


Seus estados de alma mudam com frequência. Em outra carta, diz: “gozo da solidão, que é uma companhia completamente digna de estima”9 . Quinze dias depois, diz assim: “Não posso estar mais descontente ao saber que você não recebeu nem a carta e nem o livro […] a carta foi perdida, e nada a substituirá. E nessa carta, justamente, oh destino ciumento!, nessa carta, havia escrito uma pequena composição, um estudo bíblico com motivos modernos, uma coisa que não serei capaz de escrever uma segunda vez e da qual estou orgulhoso, como do meu nariz ou do meu bacharelado […] [Essa composição] é de um sentimento tão terno, tão ingenuamente bíblico e forte, tão melancólico, tão alegre, é… ao diabo, se perdeu, é isso que me põe raivoso”10.  No dia seguinte, dirá ao seu interlocutor que: “[…] essa carta desaparecida contém uma joia de idílio bíblico, que serei incapaz de fazer de novo, já que meu amável bom humor desde muito tempo se foi ao diabo […] me sinto com um humor por demais fúnebre”11 . E segue na carta seguinte: “É completamente vão que tente me consolar da perda do meu esboço bíblico: faz anos que não havia sofrido uma perda análoga. Minha desgraça não diminui pelo fato de que ignores o que perdeu, pois a coisa estava destinada a você”12 . Quatro dias depois, declara a seu amigo: “Como Herodoto, começo a crer na malignidade do destino. Puderam perder dez outros dos meus rabiscos em vez de conservar minha incomparável carta! […] Não me fale de um substituto. Se um dia, o sol explodisse em pedaços e devêssemos viver na escuridão, porque o substituiríamos? Se o oceano secasse e as fontes do céu se calassem, que substituto proporia para a água? Então, não me fale de produzir uma substituição. Está perdido, para sempre, e não voltará mais” 13. Depois, dirá: “quero assegurar-te que [outra coisa] não pode medir em nada com a incomparável imitação bíblica que foi perdida a deriva dos séculos, por causa da inveja daqueles que se nomeiam deuses” 14.


Porque esse adolescente sofre tanto pela perda desse ensaio bíblico? Um analista, lendo essa correspondência, pode suspeitar que ali se perdeu algo mais. Porque essa queixa do perdido, tão grande, tão trágica, tão dolorosa? A carta, o ensaio bíblico, pode, de maneira distanciada, estar falando de outra coisa. É algo que a luz do seu texto ulterior Luto e melancolia, quando chama a atenção sobre o que é que realmente se perde no luto, pode ser esclarecido como: uma perda de gozo.


E essa carta é contemporânea de outra em que ele conta a seu amigo Silberstein que renunciou cortejar Gisela Fluss.
A correspondência de Freud adolescente segue trazendo surpresas, um ano depois, quando Silberstein lhe manifesta um projeto universitário para a sua vida e Freud, já com 18 anos, responde:
Não compreendo como quer associar aulas particulares a vida de um estudante. Ser estudante significa ser seu próprio mestre e ter tempo, você vende seu tempo e se submete a uma escravidão várias horas por dia, sobrando poucas ocasiões, e pouca vontade de gozar de sua liberdade, ainda mais que deverá ainda fazer seus estudos, e quer fazer isso sem dificuldade, tomando tempo para si. Em que consistiram seus prazeres de estudante em Leipzig? Não vai certamente encher sua existência de lutos, relações, credores e cães, todas as coisas que constituem o aroma específico de uma vida de estudante; e o trato com os amigos, os passeios, um copo de cerveja na Cava de Auberbach’s, no pior dos casos, não são gastos insuportáveis para os seus pais. Não posso crer que a equitação e a esgrima, que aumentará, talvez, os seus gastos, não serão levados em conta no programa de viagem de seu pai e deveria ser modificado. Não compreendo sua pressa febril para escapar da juventude. Pensa bem que uma vez chegada a idade de homem e o fim dos seus estudos, você vai estar submetido as mil obrigações que serão impostas por sua família e pela família que você fundará, a vida privada e a vida pública, e talvez também o trabalho científico. Se tem o prazer em cultivar em silêncio seus próprios pensamentos e seus próprios sentimentos na via da sua formação, se quer experimentar em você um gozo sem a perturbação que a fragmentação de seus interesses e a multiplicação de suas preocupações deixaram de lhe oferecer em uma idade mais avançada, aproveita o tempo que seus pais e todo o mundo te concede para isso. Já que a juventude, uma vez passada, poderá reprovar cada instante em que não pensará em você mesmo. Mas, se seu objetivo mais elevado é viver para os outros, recorde-se que tudo o que faz no presente para você, mais tarde aproveitará aos outros e te dará uma dupla satisfação: ser você mesmo mais realizado e poder atuar para os outros. Em todo caso, usa seu tempo para você: a juventude não é outra coisa senão que o tempo protegido que o destino nos convede a fim de que possamos nos fortalecer e logo, burlar por nossa resistência, se abre a caça contra nós”15 16.


É um Freud consciente de sua juventude e de suas responsabilidades efêmeras, que manifesta um certo desfrute de viver e uma reivindicação relativa ao autodidatismo do estudante, do desfrute do tempo, que sabe das preocupações que o esperam, mas que cada vez mais se afirma com uma convicção trágica da existência. Para ele, já passou a época de sua relação com os professores do colégio, ao que ele se refere no escrito Psicologia do colegial e está ad portas do início de sua carreira universitária.
Em 1994, por sua vez, reconhece que, desde o ponto de vista psíquico, em sua época de colegial, os professores chegaram a ser tão importantes para os adolescentes que Freud declarava que, quando já era pai de família e tinha sobre si as cargas de cidadão, encontrou-se com um dos seus professores “a quem saudou quase humilhado” 17. Expressão que fala do seu eu rebaixado frente ao que foi, em sua época, um ideal e agora, um supereu interiorizado. Uma expressão de respeito e submissão frente ao representante da lei e do saber. É algo que, de novo, fala da pegada no seu psiquismo nesses anos de formação e no espírito dos adolescentes da época, quando o pai existia como uma figura social de respeito e autoridade que cumpria a sua função psíquica, mas também afirmado no que Lacan chamará de discurso do mestre que, se tem um peso social, não se pode esquecer que é o discurso do inconsciente. Nos adolescentes da época, isso se aproximava do autoritarismo patriarcal e o vemos na literatura desse momento.


Agora, bem, nesse encontro fugaz de Freud com seu velho professor, ao ficar observando-o se afastar, teve uma súbita tomada de consciência: “É possível que esses homens, no passado, para nós, os representantes dos adultos, foram, na verdade, tão pouco mais velhos que nós?” 18.


O mundo dos adultos é para ele, adolescente, um mundo separado do seu. Há uma diferença etária, marcada cada vez menos hoje, mas que na época era rigidamente manifesta. A peça de Frank Wedekind, Despertar da primavera19, contemporânea da Escola que viveu Freud, assim o mostra. Em contraponto, se há um destino trágico aos personagens de Wedekind, Freud saiu livre disso, o que não evitou sua neurose, já esboçada nas cartas a Silberstein citadas.
Na peça dramática de Wedekind, é radical a divisão entre o mundo dos adultos e o dos adolescentes. Muitos anos depois, em referência a essa obra teatral, Freud qualifica: “[…] de louvável; não é uma grande obra de arte, mas um documento válido da história da civilização”20 , o que valida nossas afirmações a respeito da escola da época. Inclusive, por essa divisão entre dois mundos, o dos adultos e o dos adolescentes, que deixa nos últimos na completa ignorância a respeito das questões éticas que os cercam, o que não é sem consequências 21. Na peça de Wedekind, um adolescente se suicida, a outra tem uma gravidez adolescente e more em um aborto que a mãe induz. É um destino trágico desses adolescentes contemporâneos da Escola em que Freud viveu.


Freud adulto vê, então, em seu professor que essa diferença não era tão grande, que a barreira já não existia, que é um par de seu professor. Mas, na vivência adolescente, trata-se de uma distância imensa. Por isso, a saudação quase humilhada, como se não houvesse passado o tempo e, de novo, encontra-se entre gigantes, pois logo soube que esses mestres, que herdaram, sem saber que tinham para ele algum mérito positivo ou negativo, a ambivalência característica da relação aos pais. Por essa razão, segundo o disse ao final do texto, eram associados ao mundo impenetrável dos adultos. Por isso, ele transferiu aos ditos mestres “o respeito e as expectativas do omnisciente pai de nossos anos infantis e, de pronto, passamos a tratá-los como ao nosso pai em casa”22 .


Em seu texto mesmo, Freud define os anos de sua adolescência e, mais além de si, a adolescência em geral, como anos de “pressentimentos e erros, suas transformações dolorosas e êxitos entusiasmantes”. Creio, assim, tê-los evidenciado em suas próprias cartas de puberdade. Mas essa observação retrospectiva oferece uma nova surpresa. Diz Freud: “as primeiras miradas ao mundo sepultado de cultura que, ao menos para mim, serviria, mais tarde, de um inigualável consolo na vida pela vida”23 .


Freud descobre que o adulto se consola ante a dificuldade de viver, próprios da assunção das responsabilidades paternas e civis, nessa fonte que são as recordações da sua infância e da adolescência, na garoto e no púbere que seguem habitando nele e que, de novo, pela atemporalidade do inconsciente, faz com que a divisão do mundo infantil e do mundo adulto desapareça mesmo ao crescer. Ao contrário do garoto que se sente separado do mundo adulto, o adulto que não quer se separar da sua infância ou da sua adolescência. Por isso, Freud dirá em outro lugar que se bem o adulto não joga apoiado nos joguetes, a fantasia vem substituir essa atividade lúdica.
Hoje, isso mudou devido a infantilização do mundo adulto do capitalismo, que vende videogames para adultos e inventou uma franja de consumo “adultescente”. Inclusive, há uma oferta de fantasias prêt-à-porter, que salva o sujeito do trabalho de elaborar uma fantasia própria.


Mas o que valora Freud nessa época de formação escolar é o encontro com um gozo inédito, “os primeiros contatos com as ciências”24 , e nisso o pressentimento ambicioso de contribuir com o saber humano, em que vimos sua expressão “na composição do exame de bacharelado”25 .


Não é banal, sabemos pelos biógrafos de Freud, que este exame consistiu na tradução dos primeiros atos de Édipo Rey de Sófocles, diretamente do grego para o alemão. Freud tinha 17 anos.
Esse caminho foi possível para Freud, segundo traz o texto de referência, graças ao saber transmitido pelos seus mestres, pessoas que geraram uma transferência e puderam, logo, orienta-la para a paixão pelo saber, como no caso afortunado de Freud e, seguramente, de muitos outros.


Freud pôde extrair inconscientemente desses mestres traços que formaram seu caráter. Mais amor que ódio por parte de Freud a seus mestres e por isso consentiu amorosamente a disciplinar seu corpo e seu espírito naqueles anos de colegial.


Muito obrigado.

 

Tradução: Rogério Barros
Revisão: Bernardino Horne

 


1 N. T.: Essa e demais citações tratam-se de traduções libres do texto em espanhol.

2 Cornélius Heim, “Nota liminar” do tradutor ao francês de: Sigmund Freud, Lettres de jeunesse, París, Gallimard, 1990, p. 7.

3 Walter Boehlich, “Introducción” a Sigmund Freud, Lettres de jeunesse, París, Gallimard, 1990, p. 27.

4 Citado por Walter Boehlich, “Introducción”, Ibíd.

5 Sigmund Freud, “Carta del 12 de Agosto de 1872” en: Lettres de jeunesse, París, Gallimard, 1990, p. 43.

6 Sigmund Freud, “Carta del 4 de Septiembre de 1872” em: Lettres de jeunesse, París, Gallimard, 1990, p. 44.

7 Ibíd., p. 45.

8 Sigmund Freud, “Carta del 10 de Julio de 1873” en: Lettres de jeunesse, París, Gallimard, 1990, pps. 49-50.

9 Sigmund Freud, “Carta del 11 de Julio de 1873” en: Lettres de jeunesse, París, Gallimard, 1990, p. 51.

10 Sigmund Freud, “Carta del 24 de Julio de 1873” en: Lettres de jeunesse, París, Gallimard, 1990, p. 56.

11 Sigmund Freud, “Carta del 30 de Julio de 1873” en: Lettres de jeunesse, París, Gallimard, 1990, p. 58.

12 Sigmund Freud, “Carta del 2 de Agosto 1873” en: Lettres de jeunesse, París, Gallimard, 1990, p. 58.

13 Sigmund Freud, “Carta del 6 de Agosto 1873” en: Lettres de jeunesse, París, Gallimard, 1990, p. 64.

14 Sigmund Freud, “Carta del 20 de Agosto 1873” en: Lettres de jeunesse, París, Gallimard, 1990, p. 73.

15 Sigmund Freud, “Carta del 18 de Septiembre 1874” en: Lettres de jeunesse, París, Gallimard, 1990, pps. 94-95.

16 As itálicas são nossas.

17 Sigmund Freud, Sobre la psicología del colegial, en: Obras completas, vol. 13, tradução de José Luis Etcheverry, Buenos Aires, 1980, p.247.

18 Ibíd., p. 247.

19 Frank Wedekind, Despertar de primavera, una tragedia infantil, traducción de M. Pedroso, Buenos Aires, Quetzal, 1954.

20 S. Freud et al., “Séance du 13 de février de 1907”, en: Les premiers psychanalystes: minutes de la Société psychanalytique de Vienne, vol. 1. 1906-1908, París, Gallimard, 1976, p. 134.

21 Mario Elkin Ramírez, Despertar de primavera, Freud y Lacan lectores de Wedekind, Buenos Aires, Grama, 2014.

22 Sigmund Freud, Sobre la psicología del colegial, en: Obras completas, vol. 13, tradução de José Luis Etcheverry, Buenos Aires, 1980, p.250.

23 Ibíd., p.247.

24 Ibíd.

25 Ibíd., p. 248.