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nº 10 | Ano 4 | Dezembro de 2015

 

Comentário sobre o filme “Boyhood – da infância à juventude” (2014)

Luiz Felipe Monteiro

 

“Boyhood – da infância à juventude” dificilmente se equipara aos conhecidos filmes sobre a adolescência onde um jovem em crise enfrenta a descoberta do sexo, das drogas e do mundo para além do âmbito familiar. Este é um filme incomum em diversos aspectos. Nele, o espectador em busca de um sentido psicológico sobre os impasses da juventude, facilmente, se decepcionará. Um dos grandes triunfos dessa obra cuja filmagem se estendeu ao longo de doze anos é, precisamente, se furtar de entregar uma perspectiva unificada sobre uma ideia abstrata do que seria a passagem da infância à juventude.


O diretor não se interessa por uma “mensagem”; o que lhe anima é a possibilidade de compor uma narrativa ficcional onde o espectador acompanhe recortes da vida prosaica de um garoto dos seis aos dezoito anos. O que vemos é uma adolescência sem o respaldo dos ideais de performance de gozo  – uma juventude sem glamour. São pedaços dispersos de uma vida feita de horas de tédio, de rotina, de mal-entendidos e também de descobertas.


O personagem do garoto não busca se apoiar em grandes ideais de redenção familiar ou de desempenho social para se haver com as contingências de sua vida (seu pai que sempre morou em outras cidades constitui nova família, sua mãe embarca em vários relacionamentos onde os parceiros faziam versões precárias de figuras de autoridades). Ele fica contente quando sai para passear com o pai, triste quando vê a mãe chorar, puto quando a irmã o chateia; e assim, segue atuando com o que se passa sem pensar muito sobre o que tudo significa. Não vemos ali alguém em busca de uma significação última para justificar o retraimento ou a falta de uma grande motivação. Há um garoto que vivendo a rotina de casa, escola, amigos se depara com experiências que lhe marcam; seja com indiferença, seja com certa curiosidade. Os encontros com os amigos para ver as revistas de anúncios de mulheres em lingerie, o encontro com a garota no parque perto de casa e com a fotografia na sala escura da escola testemunham como o desejo vai se delineando mais por força dos esbarros do que por decisões autocentradas.
O filme é recheado dessas finuras cotidianas, o diretor está concernido em nos fazer acompanhar a singularidade daquele garoto chamado Mason. A peculiaridade de assistirmos o envelhecimento dos atores envolvidos ao longo de doze anos de filmagem, confere à experiência do espectador uma curiosa sensação de que o tempo passou, sem que percebamos. Esse não é um efeito qualquer, afinal a passagem temporal não se reduz às marcas simbólicas do tempo – há um real do tempo indiscernível pelo registro significante, mas passível de se transmitir – trata-se mais de uma espécie de perda não muito fácil de localizar. É nessa perdição do tempo que o filme atinge o seu público.


Boyhood é uma obra que não acredita nos labirintos de significação para alcançar seu alvo, a mise-én-scene, contudo, captura aquilo que há de fugaz na passagem do tempo e que não é passível de precisão. Sua aposta em filmar o banal e corriqueiro confere uma perspectiva singular do que é esse atravessamento dos anos conhecidos por adolescência. Eis um filme que insinua o real em jogo dessa encruzilhada por força de sua enunciação - um filme que por seu estilo, inspira um olhar original sobre essa coisa chamada crescer.

 

Luiz Felipe Monteiro
Associado IPB